google-site-verification=sG-CyGQ4ZcEyYyR2Qod5twFBfpvjVj6Jn8-ooEdbdFU
top of page
Foto do escritorREDE NOVA LIMA

Eu conto um conto


Paulo Cezar Santos Ventura atua como escritor de Poesias, Microcontos, Crônicas e livros Infanto-juvenis e publica artigos de Divulgação Científica em jornais e blogues. É membro da Academia Novalimense de Letras, da cidade de Nova Lima/MG, onde reside, e também editor da Rolimã Editora Ltda. A Rolimã Editora, iniciando no mercado, publica livros infantojuvenis, preferencialmente, e conta com um acervo de 30 títulos e mais 30 no prelo para lançamento próximo.






MÃE, MULHER OUTRA

(Paulo Cezar S. Ventura)

Mãe não é mulher.

Mãe é uma imagem de mulher

que se destrói

ao nos tornarmos homem.

Aí, mãe se refaz mulher.

Distante.

Mais próxima que antes.


— Os filhos crescem, geralmente nos esquecem. Um dia se mandam e não voltam nem para uma visita. Nem parece serem filhos da mãe. Ainda bem que ficou um para me ajudar em minha velhice.

Com essa frase, que pode parecer carregada de ressentimentos, Zara começa a contar um pouco de sua vida ao jornalista que fora entrevistá-la. Ela completaria noventa anos naquela semana e o jornal da cidade tinha em pauta reportar um pouco da vida das mulheres idosas e suas histórias. Porque a história das mulheres idosas é mais de luta e sofrimento que de alegrias. No entanto, Zara trazia um sorriso ainda encantador em seu rosto marcado pelas rugas da idade. Entre um sorriso e outro, vai repassando a trama de sua existência, relembrada em impulsos de sua memória já estremecida.

Zara veio ainda jovem do sertão de Minas Gerais, lá dos gerais de Guimarães Rosa, onde o Urucuia serpenteia, às vezes raso, às vezes profundo. Pegou a estrada já com um filho na barriga, fruto dos avanços forçados do filho do dono da fazenda. A própria família a mandara embora. A mulher ser sempre suspeita é coisa antiga e mudou muito pouco. Nem a pós-modernidade conseguiu tirar-lhes essa culpa.

Chegou à capital sem saber para onde ir. Não queria que com ela acontecesse o mesmo que a muitas mulheres na mesma situação: cair na prostituição. Como era de boa conversa, pediu ajuda às pessoas, sonhando encontrar uma boa alma. Afinal, ela sabia cozinhar bem. Comida da roça, claro. E aprendia a dar uns alinhavos nas roupas quando precisou pegar a estrada. Medo e vergonha de trabalhar não tinha. Assim, pergunta aqui, conversa ali, conta história acolá, Zara foi convidada por uma senhora para trabalhar em sua casa, como doméstica.

Ficou por lá uns tempos, teve seu filho e a vida foi se conduzindo no automático das horas. Os patrões, gente boa, tinham filhos homens que, infelizmente, começaram a assediá-la.

— Muitos homens não conseguem ver uma mulher sozinha que se acham no direito de importuná-la. Levá-la para a cama para depois sair contando vantagem, conta Zara. São uns bobocas.

— E o que fez a senhora quando isso aconteceu? — Pergunta o jornalista.

— Fiz minhas trouxas e fugi. Foi aí que vim para Nova Lima. Para trabalhar e criar meus filhos. Tive mais dois, mesmo sem me casar. Porque queria ter filhos, não maridos. Eu já sabia que maridos costumam ser um atraso na vida da gente. Eles querem ser nossos donos, não nossos companheiros.

— A vida é muito dura com as mulheres solteiras e mães. Como se ter filhos sem marido fosse um atestado de ruindade, ou de incompetência. E pais que não são maridos desaparecem e os deixam crescer sozinhos, Zara continua relatando.

— E como a senhora conseguiu criar seus filhos? — Pergunta de novo o jornalista que, na verdade preferia deixá-la falar à vontade que ficar provocando-a com perguntas.

— Aluguei uma casinha simples e comprei uma máquina de costura. Os móveis e utensílios da casa fui ganhando das pessoas. Existem pessoas bondosas, a maioria é. Rapidamente consegui trabalho. O problema maior é que os moleques ficavam muito soltos e iam para a rua. A rua é uma escola complicada. Ensina coisas boas e ruins.

— Um de meus filhos foi pego pelo lado ruim da rua. Meteu-se em encrenca com as gangues do bairro e, certo dia, apareceu morto com um tiro no peito.

As lágrimas veem aos olhos de Zara ao comentar isso. Pode-se perceber que a dor ainda é muito grande, embora um tempo longo tenha se transcorrido.

— Depois disso, o segundo filho preferiu ir embora. Não queria ter o mesmo destino de seu irmão. Nunca mais voltou. Pelo menos eu sei que está vivo. Até me envia dinheiro de vez em quando. Não preciso, então o guardo no banco, em uma caderneta de poupança. Se ele voltar um dia e precisar da grana, ela está lá no banco, à disposição.

Nesse momento entra Mauro, seu terceiro filho. Um mulato bonito, forte, ainda jovem, chega junto com Saulo que veio visitar a avó. Saulo é filho de Mauro, neto de Zara, carrega uma mochila com seus apetrechos. Veio direto da faculdade e entrou para ver o que estava acontecendo. Curiosidade de neto que mora vizinho à avó.

A tristeza nos olhos da vó Zara dá lugar ao sorriso escancarado, mostrando os dentes ainda bem cuidados. Zara é um exemplo no bairro. Muitos da vizinhança demandam seus conselhos e sua benção de benzedeira de boas rezas, que sabe curar mau-olhado, tristezas do coração. Quem a vê, hoje, nem imagina o quanto de dor e sofrimento pelo qual ela passou na vida. Com certeza, será uma bela reportagem





O Jornal Rede Nova Lima convida escritores da cidade a publicarem seus contos em nossas próximas edições. É só enviar o trabalho com as informações: seu nome, título e texto com, no máximo, 5 mil caracteres, sem espaço, em documento de Word, espaçamento 1,5, e justificado. O e-mail deve ter o seguinte título na mensagem: "Eu conto um conto". Nossa equipe avaliará os trabalhos e publicará um conto, a cada semana, em nosso jornal virtual.


A cada rodada de dez contos publicados, o (a) escritor (a) do conto mais curtido e comentado em nossos perfis do Instagram e Facebook, receberá uma homenagem virtual aqui no Rede.


E-mail: comunicacao@redenovalima.com

53 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page