Sônia Sérgio
Escritora, artista plástica, teóloga,
membro da Academia Nova-limense de Letras
O enterro
O cortejo saiu silencioso daquela casa coberta pelo luto, naquela cidade do interior das Minas Gerais e seguiu em direção ao cemitério. Cabeças baixas, lágrimas que insistiam em descer dos olhos cansados das noites mal dormidas, pés que se arrastavam colina acima em direção à última morada. O irmão mais novo, sentindo-se na obrigação de organizar melhor a tarefa de levar o primogênito à sepultura, colocava as pessoas em fila indiana, ralhava com as crianças que teimavam em saltar os buracos do caminho numa brincadeira sem fim. Pegou na alça do caixão e completando o quarteto da partida, reiniciou a marcha fúnebre. Lentamente a procissão seguia seu destino trazendo lembranças e saudades no coração dos parentes mais chegados. No coração do irmão caçula a saudade já fazia seu turno deixando-o emocionado cada vez que pensava nos bons momentos que vivera com irmão morto. Brincadeiras de crianças, pescarias, molecagens, o tempo da juventude que tão longe já se ia, as conversas, as diferenças e até as desavenças foram chegando de mansinho, provocando uma lágrima no canto do olho.
Quanto tempo se passara até aquele momento para agora se encontrarem novamente, mas daquele jeito tão triste e desconcertante! Enquanto divagava, sentiu alguém tocar-lhe o ombro e um rosto desconhecido encostar-se em seu ouvido sussurrando-lhe que o cemitério fechava às seis horas da tarde e no relógio só faltavam quinze minutos. Meio aturdido com o estranho, ergueu as sobrancelhas e perguntou se o cemitério estava longe. O desconhecido indicou uma ladeira à frente sinalizando que o caminho ainda era longo.
Apressado, convocou os amigos que carregavam o caixão a andarem mais ligeiros. Mais ligeiro o cortejo seguiu deixando para trás aqueles que não davam conta de acompanhá-lo. A tarde era calorenta, o suor começou a escorrer e incomodar, a perna do irmão caçula dava sinais de dor em contrações musculares, a idade denunciava. Os passos se tornaram mais largos mesmo assim o relógio insistia em andar rapidamente. Estavam passando perto de um campo de futebol e o time da “pelada local” parou para admirar aquele cortejo engraçado. Quatro homens de terno e engravatados, agarrados à alça de um caixão, suados e ofegantes, andando ligeiro, seguidos por uma multidão esbaforida, alguns de passos rápidos, outros se esforçando para acompanhar a comitiva. Perceberam que a noite ia chegando e que o coveiro iria fechar o portão do cemitério não dando tempo para o féretro chegar ao seu destino. Então, num súbito rompante, sem se importarem com a indumentária futebolística, os jogadores correram em direção ao caixão. Deram sinais para os confusos carregadores da urna mortuária se afastarem e segurando com vontade as alças douradas do caixão tomaram rumo do cemitério local. Agora já não andavam, corriam segurando com força a alça do caixão para aguentar firme a maratona colina acima. Como se estivessem numa olimpíada, subiram o morro correndo, os largos calções balançando como bandeirolas, a camisa do time amado grudada no corpo por causa do suor, as chuteiras agarrando com força a terra do chão pisado, balançando o defunto pro lado e pro outro. Deixaram para trás o cortejo exausto pelo cansaço. Faltava um minuto para o relógio marcar a hora final quando entraram triunfantes cemitério adentro com o caixão que balançava para todos os lados. Ofegantes, colocaram a urna mortuária ao lado da cova aberta e olharam em direção do portão semiaberto na expectativa de ver o cortejo do morto adentrar pelo cemitério e se apossarem da tarefa para as despedidas finais. O coveiro estarrecido com cena tão inusitada tirou o chapéu, depositou-o à beira da sepultura e pegou a pá para iniciar o seu trabalho diário enquanto esbaforida a família do morto chegava para o último adeus.
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