Ponto de Vista
O ovo de Páscoa entrou para lista dos artigos salgados do mercado. Em Nova Lima, em supermercados populares, a guloseima produzida por marcas tradicionais ficou na casa dos “enta” reais. Um ovo digno sai por R$ 60 a R$ 90. Sem muita firula ou finesse. Por que se o cliente desejar algo mais sofisticado, R$ 100 é pouco. O puro chocolate está em alta mesmo ou a data permite? Afinal, quando se fala em Páscoa, o negócio é o coelhinho fofo que bota um ovo bem dispendioso... Mas, será isso mesmo? O feriado em família tem uma origem bem diferente, com valores incompatíveis com as propagandas.
Os dois sentidos mais intensos da Páscoa nasceram da história de um país do Oriente Médio, chamado Israel, terra do povo judeu, que fica ao longo da Costa Leste do Mar Mediterrâneo, fazendo fronteira com Líbano, Síria, Jordânia e Egito. O primeiro registro da Páscoa aconteceu exatamente na terra das Pirâmides, onde os hebreus, hoje judeus, foram escravizados durante 400 anos. Páscoa, no idioma dessa cultura é Pessach, palavra do hebraico que significa passagem, sendo uma de suas festas religiosas mais importantes, assim como é a Páscoa para os cristãos. A judaica é comemorada anualmente no dia 14 de Nissan (nosso março/abril), pelo fato de que a primeira celebração aconteceu nos dias 14 e 15 desse mês, há cerca de 3.500 anos.
Na época, esses, originários de Abraão, durante um período de seca e fome extrema, mudaram-se para o Egito, local no qual acabaram sendo escravizados. A libertação dos hebreus foi realizada por Moisés, logo após a execução das dez pragas no Egito, segundo a narrativa judaica. A Páscoa aconteceu pouco antes da décima praga, na qual o anjo da morte desceu ao Egito e matou todos os primogênitos daquela terra. A morte só não passou pelas casas daqueles que haviam seguido as ordens de Deus, realizando a festa, da forma conforme havia sido ordenada, e passando o sangue do cordeiro nos umbrais de suas portas. Após a décima praga, os hebreus foram libertos da escravidão, o que originou o termo passagem.
A cerimônia de Pessach começa depois do serviço religioso na sinagoga, com uma oração e um gole de vinho no rito kasher. O menino mais novo da família inicia a cerimônia das quatro perguntas. Essas são respondidas com base na "Hagadá", o livro que contém a leitura da história da libertação do povo de Israel do Egito conforme é descrito no livro bíblico chamado Êxodo, o qual conta a história da libertação do povo hebreu, há 35 séculos. O ritual completo tem cerca de 15 sessões. Enquanto comem alimentos que simbolizam os tempos vividos pelos hebreus no Egito, intercalam-se cantos e orações.
Entre os alimentos estão um ramo de salsa ou legume molhado em água salgada, que simboliza as lágrimas do cativeiro. O matza, pão sem fermento, lembra aquele comido pelos judeus depois da libertação. A raiz forte maror lembra a amargura dos tempos de escravidão. O belo costume milenar, é a raiz da Páscoa cristã, pois, o judeu que revelou a Pessach, passagem para libertação dos não judeus - considerados ímpios da época – foi Jesus Cristo, natural de Judá, e tornou-se o personagem central da comemoração da religião cristã. O “antagonista” da cultura judaica, transformou-se no fundamento de uma das maiores igrejas do planeta.
No caso da Páscoa cristã, Jesus Cristo é o próprio Deus, que veio como messias, em forma de homem, para trazer liberdade a todo ser humano escravizado, por si mesmo, dentro dos sentimentos. Nessa trajetória terrestre, Ele tomou sobre si as dores do mundo, entregando-se para a morte, como o cordeiro – também figura da cultura judaica, a qual é imolada em favor do perdão do judeu que o oferece. O sacrifício era feito no templo sagrado, onde, apenas o sumo sacerdote podia entrar, pois, lá estava a presença de Deus. Dessa forma, Jesus também assume o papel do sacerdote dos “ímpios”, e apresenta a si mesmo como sacrifício (cordeiro) perfeito e eterno diante de Deus.
A partir de então, muitos judeus e não judeus passaram a crer em Jesus como filho de Deus e salvador do mundo, sendo que a crucificação de Cristo aconteceu no período da Páscoa Judaica. A história cristã conta que após ser morto numa cruz, ao terceiro dia, Ele ressuscitou e apareceu aos seguidores da época, convocando seus amigos e os 12 Apóstolos, que inclusive eram da religião judaica, a divulgarem o acontecimento a todas as nações e povos da Terra. Mateus, Marcos, Lucas e João (autor do livro do Apocalipse) são alguns deles. Maria Madalena não foi uma entre os que têm um livro na Bíblia, mas foi uma ferrenha seguidora de Cristo, conhecida na história da humanidade por cumprir esse papel.
Até que o Evangelho de Cristo fosse aceito no mundo, muitos de seus seguidores foram mortos, presos e torturados por professarem tal fé. Entre os horrores mais conhecidos estão as arenas de Roma, sendo o Coliseu o símbolo maior, onde cristãos eram devorados vivos por leões, num espetáculo tão famoso quanto é o futebol hoje. O intuito era exterminar a crença dos cristãos, o que perdurou a longo de três séculos, desde a origem do cristianismo até a fé se tornar a religião oficial do império.
Nero, o imperador mais cruel do domínio Romano, chegou a utilizar os cristãos como tochas de fogo para iluminar a cidade enquanto realizava uma grande festa popular em Roma, é o que conta uma das versões sobre a perversidade desse governo registrado, historicamente, como insano. No entanto, as estratégias para apagar a nova religião não foram bem sucedidas e a humanidade se dividiu em antes de Cristo e depois de Cristo, sendo a Páscoa o memorial mais profundo da passagem de Jesus sobre a Terra. O coelho que entenda, o papel dele é bem curto nesse enredo repleto de dramas, atos corajosos, milagrosos, cruéis, aterrorizantes, improváveis, regados por um movimento chamado fé.
A modernidade trouxe um clima mercadológico para uma mensagem sumariamente diferente da atual. Bem... com tantos cristãos no mundo, a visão empresarial da coisa não poderia ser diferente. Mas, nessa Páscoa, aqui, homenageamos à belíssima história original, em respeito aos fies do passado e de agora, em seu contexto mais delicado e, aparentemente, contraditório, a religião. Aos perseguidos de Cristo e aos que Nele não acreditam, por força da religião, como é o caso do judeu, uma excelente Páscoa.
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